Experiências

Inadimplência Escolar: Como lidar com este problema em tempos de Covid-19?

Muitas de nossas escolas estão com dúvidas e inseguranças quanto aos próximos passos a serem tomados em função dos atuais acontecimentos. Para ajudar, nós da Escola em Movimento entrevistamos um especialista para esclarecer alguns pontos sobre possíveis problemas de inadimplência e como tratar com as famílias de seus alunos.

Nosso entrevistado é o advogado Décio Costa Aguiar Oliveira. Ele é bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Fumec (2000) e pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas em Direito da Empresa e da Economia (2002).

Décio é advogado atuante há 20 anos na esfera do direito empresarial, professor universitário, sócio do escritório Fialho Aguiar Alkmim Salvo Castelar Advogados Associados e também Conselheiro Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, nos triênios 2016/2018 e 2019/2021. Ele foi ainda Secretário Geral da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados de Minas Gerais, Julgador do Órgão Especial da OAB/MG e da Câmara de Desagravo Público da OAB/MG.

1 - Escola em Movimento - Em tempos de coronavírus e de afastamento social, como as escolas devem proceder em relação à cobrança de suas mensalidades?

Décio Costa Aguiar Oliveira – Até o presente momento, não localizamos qualquer determinação legal que suspenda a exigibilidade das mensalidades escolares. Pelo contrário, existem orientações de órgãos vinculados à defesa do consumidor no sentido de que os pagamentos devem ser mantidos, uma vez que as escolas possuem uma programação financeira anual e obrigações com salários, aluguéis etc. Há uma grande preocupação quanto à manutenção e preservação das instituições de ensino.

O fato é que a pandemia provocou um cenário de total incerteza e dificuldade econômica para o cumprimento de diversas obrigações contratualmente estabelecidas e, certamente, deverá elevar a inadimplência nos mais diversos setores da economia. Diante deste quadro, entendemos que, apesar da necessidade de cobrança das mensalidades escolares, as partes envolvidas devem se pautar pela observância dos princípios da razoabilidade e boa-fé objetiva, ajustando, eventualmente, condições que possam minimizar os ônus financeiros suportados pelos contratantes, mas também garantir aos prestadores de serviços a manutenção do negócio e a possibilidade de retomada plena das atividades, após o fim das restrições que estão sendo causadas pela pandemia.

2 - Se a escola em questão não estiver fornecendo aulas online ou material didático para seus alunos, mesmo assim ela tem o direito de cobrar as mensalidades?

Décio Costa Aguiar Oliveira – A princípio sim, já que, conforme destacado na resposta anterior, até o momento não localizamos qualquer determinação legal que suspenda a exigibilidade das mensalidades escolares, em razão da suspensão dos serviços causados pela pandemia. Ressalvamos que há, dentro das normas gerais do direito, um princípio que veda que aquele que não cumpre suas obrigações em um contrato, possa exigir o cumprimento da outra parte. Contudo, este dispositivo não é de aplicação automática, devendo ser avaliadas as circunstâncias do caso.

Ademais, a maioria dos contratos de prestação de serviços educacionais estipula um valor anual ou semestral, que será dividido em parcelas mensais durante o ano ou semestre letivo. Assim, eventual paralisação, cuja causa não possa ser atribuída ao prestador de serviço, não deve impedir a cobrança das mensalidades devidas. Neste sentido, cabe observar, ainda, que a instituição de ensino necessita, além de manter toda a sua estrutura física, administrativa e de pessoal, efetuar a reposição das aulas que deixaram de ser ministradas, a fim de cumprir a carga horária mínima do curso.

Contudo, é fato que as escolas que operacionalizarem aulas online e/ou fornecerem atividades e material didático aos seus alunos, estarão menos suscetíveis a questionamentos judiciais e assumirão posição mais confortável em eventuais processos de negociações ou cobranças.

3 - Como proceder se as famílias se recusarem a pagar porque estão com as crianças em casa, ou pior, se não tiverem condições de pagar por problemas econômicos advindos desta pandemia?

Décio Costa Aguiar Oliveira – Neste momento de crise e dificuldade financeira generalizada, o ideal será sempre buscar a conciliação e flexibilização. O nosso escritório tem intermediado negociações, em que a adimplência das obrigações financeiras está sendo mantida mediante algum desconto ou benefício. Observamos que, de forma recorrente, as pessoas, mesmo com condições financeiras mais privilegiadas, não estão cumprindo suas obrigações financeiras, por receio de enfrentarem dificuldades futuras ou, até mesmo, com o objetivo de negociar o débito em atraso, a posteriori, em condições mais vantajosas.

Tais ajustes prévios, concedendo algum benefício ou desconto pela pontualidade no pagamento, têm garantido aos prestadores de serviços e fornecedores um fluxo de recebimentos menos incerto. Por outro lado, a cobrança judicial de eventuais valores em atraso, neste momento, não se apresenta como uma alternativa efetiva ou viável, já que, não bastasse a morosidade do Poder Judiciário, os prazos processuais estão suspensos até o dia 30 de abril de 2020, conforme a Resolução nº 313/2020, publicada recentemente pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, situação esta que, certamente, acarretará uma demora ainda maior na prestação jurisdicional.

4 - O Ministério Público de Minas Gerais soltou uma recomendação para proteção dos contratos entre escolas e famílias, mas e quanto aos outros estados? Se suas autoridades não tomaram nenhuma providência, como as escolas devem proceder, caso passem por problemas de inadimplência por conta desta situação?

Décio Costa Aguiar Oliveira – De fato, cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, sobretudo quanto aos interesses sociais e individuais indisponíveis, já tendo os tribunais superiores assentado o entendimento acerca da possibilidade de sua atuação direta na relação jurídica existente entre instituições de ensino e os seus alunos.

No caso já apreciado, a discussão se deu quanto aos reajustes de mensalidades, conforme o teor do enunciado de Súmula nº 643 do Supremo Tribunal Federal: “O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares.”

É de se salientar que cada Estado possui um Ministério Público próprio, de modo que, em âmbito de atuação distintos, é provável a expedição de recomendações com conteúdo diverso, inclusive de acordo com as peculiaridades regionais e locais, motivo pelo qual alguns Ministérios Públicos Estaduais podem buscar o gerenciamento da crise com a possibilidade de que haja recomendações até mesmo antagônicas (sem prejuízo, ainda, da atuação do Ministério Público Federal).

No caso de Minas Gerais, o Ministério Público atualmente recomenda que os contratos sejam inteiramente cumpridos, apenas exortando que as aulas ocorram na modalidade online. Com relação à cobrança de mensalidades, não houve qualquer manifestação ou recomendação no sentido de que as escolas se abstenham de cobrar as mensalidades. 

Por outro lado, apesar de o Ministério Público ter dentro de seu campo de atuação a atribuição de defender os interesses dos consumidores, ficou evidenciado que, no seu o entendimento, uma suspensão dos pagamentos das mensalidades acarretaria a inviabilidade da manutenção dos contratos firmados entre as escolas e seus alunos, causando um prejudicial desequilíbrio contratual e dificuldade de manutenção das instituições de ensino após a pandemia.

No que tange uma eventual inadimplência por parte dos alunos ou de seus responsáveis legais, o primeiro caminho deve ser a tentativa de negociação prévia e direta, devendo as medidas judiciais de cobrança, para a satisfação do débito pendente, serem adotadas somente após frustradas todas as tentativas de ajuste extrajudicial, até mesmo pela ineficiência e a morosidade do sistema processual brasileiro.

5 - Os pais podem, de alguma forma, entrar na justiça contra as escolas por conta desta situação inédita no mundo? Por terem que ficar com os filhos em casa e serem prejudicados em seus trabalhos ou algo nesta linha? Existe essa possibilidade?

Décio Costa Aguiar Oliveira – A possibilidade de ajuizamento de uma ação judicial é franqueada a qualquer pessoa. Trata-se do chamado “direito de ação”, contemplado pela Constituição Federal, que determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Todavia, a obtenção de êxito em uma demanda judicial exige o preenchimento e a análise de diversos aspectos e requisitos.

No caso, eventuais ações judiciais para: prorrogar prazos de pagamento; afastar cobrança de encargos moratórios; ou impedir inclusão de eventuais inadimplentes em cadastros restritivos de crédito; apesar de envolverem questões de alta indagação, mostram-se plausíveis.

Contudo, ações judiciais relacionadas ao fato de as crianças necessitarem permanecer em isolamento social com os pais, sem frequentar a escola, por si só, não revela um ambiente jurídico capaz de justificar o acolhimento de pleitos indenizatórios de cunho material ou moral, em face das instituições de ensino.

Cabe observar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou e reconheceu a Covid-19 como uma pandemia e, simultaneamente, pediu-se aos países membros uma “ação urgente e agressiva” para conter a transmissão, situação inédita, imprevisível e que, inequivocamente, configura “caso fortuito”.

Nesta linha de raciocínio, os tribunais superiores têm reconhecido a inexistência do dever de indenizar quando eventual lesão suportada é ocasionada por casos fortuitos externos, vale dizer, eventos completamente alheios ao ramo de atividade empresarial, tal como se verifica no caso da Covid-19 e a suspensão das aulas presenciais, já que ausente qualquer relação de causa e efeito atribuída a qualquer das partes do contrato.

Assim, nada obstante a ampla liberdade de cada pessoa de iniciar um litígio judicial, isso, evidentemente, não implica o automático acolhimento dos pedidos indenizatórios, por parte do Poder Judiciário, os quais se revelam remotos à luz da ordem jurídica vigente, para o momento atual.

6 - Em períodos de greve, as escolas e universidades costumam repor o calendário escolar posteriormente. Caso não seja possível este ano, pois não se sabe quando o perigo realmente vai acabar, eles podem ter problemas financeiros e/ou jurídicos por conta disso?

Décio Costa Aguiar Oliveira – O segmento brasileiro da educação, assim como todos os demais setores da economia, está sendo duramente impactado no cenário atual, o qual, na realidade, vem provocando a paralisação de atividades profissionais em todo o mundo.

Diante da impossibilidade de manutenção das atividades de forma contínua e regular, houve a publicação da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, do MEC, que regulamenta, em caráter excepcional, as aulas de nível superior do sistema federal de ensino. Embora não aplicada diretamente aos demais segmentos de ensino (primário, fundamental e médio), de âmbito municipal ou estadual, é certo que o regramento serve, minimamente, como uma orientação.

A mencionada portaria traz a responsabilidade das instituições e a definição das disciplinas que poderão ser substituídas, o dever de disponibilização de ferramentas aos alunos, que permitam o acompanhamento dos conteúdos ofertados, bem como a realização de avaliações durante o período da autorização de aulas remotas. Noutro norte, as instituições poderão, ainda, alterar o calendário de férias, desde que cumpram os dias letivos e horas-aula estabelecidos na legislação em vigor.

Vale ressaltar que o que está sendo adotado no momento, por boa parte das instituições de educação, em caráter emergencial, são aulas remotas, ministradas por professores, em sua maioria, no mesmo horário convencional da aula presencial, por meio da utilização de recursos tecnológicos, como forma de mitigar os efeitos de uma potencial crise financeira, ressalvada a posterior necessidade de reposição de aulas em épocas naturalmente mais onerosas (férias, horas extras etc.) e em sobreposição com o ano letivo vindouro.

Por fim, importa registrar que não se pode excluir, ainda, a possibilidade de que soluções sejam encontradas no âmbito das secretarias de educação estaduais e municipais, bem como a possibilidade de edição de instrumentos normativos futuros, para fins de regulação das relações contratuais atingidas em razão das restrições causadas pela pandemia, tal como já se deu no setor da aviação civil, com a edição da Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, a qual estipulou a possibilidade de reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas no prazo de doze meses.

7 - Você está trabalhando em um estudo sobre o problema da inadimplência nesta época complexa. Do que se trata? Pode nos falar um pouco sobre ele?

Décio Costa Aguiar Oliveira – O nosso escritório montou um grupo para o estudo e acompanhamento dos desdobramentos, na esfera jurídica, dos nefastos efeitos que estão sendo causados sobre as relações jurídicas, em razão da pandemia da Covid-19, assim como e, principalmente, das possíveis soluções e dos melhores caminhos a serem buscados, por todas as partes envolvidas, para evitar litígios, mediante a obtenção de acordos, que, por meio de concessões mútuas, haja compensação pelos prejuízos sofridos.

Neste contexto, o escritório tem intermediado e assessorado clientes em negociações extrajudiciais, que estão sendo capazes de mitigar os impactos econômicos, neste momento de crise. Por outro lado, uma vez frustradas as possibilidades de ajuste extrajudicial, será possível buscar, por meio de medidas judiciais, mecanismos para obter o reequilíbrio ou mesmo a rescisão de contratos, da forma menos onerosa possível. No caso das escolas, estes ajustes podem envolver fornecedores, prestadores de serviços, locadores etc., não se limitando apenas à relação com os alunos.

Esta entrevista foi útil para você? Ajudou a esclarecer possíveis dúvidas? Estamos aqui para te ajudar e se tiver algum outro assunto de seu interesse nos diga que iremos trabalhar nele.

A Secretaria Nacional do Consumidor divulgou uma nota técnica que  recomenda aos consumidores que evitem o pedido de desconto de mensalidades, a fim de não causar um desarranjo nas escolas que já fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros.

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Após esta recomendação, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais publicou outra recomendação sobre a possibilidade de as escolas oferecerem descontos às famílias durante este período de quarentena, entre outras sugestões para evitar futuros problemas.

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No dia 14 de abril, às 16h, vamos realizar o evento Educação em Movimento: Como fazer a sua escola não parar em tempos de distanciamento social, com a participação do advogado Décio Costa. Confirme sua participação aqui. 

Escola em Movimento

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